Pneumonia nosocomial no doente ventilado. Alguns aspectos da fisiopatologia

Pneumonia nosocomial no doente ventilado. Alguns aspectos da fisiopatologia

PNEUMONIA NOSOCOMIAL NO DOENTE VENTILADO ALGUNS ASPECTOS DA FISIOPATOLOGIA/GABRIELA FRAGA BRUM REV PORT PNEUMOL 2004; X (1, SUPL 1): S 59-S– 61 XVIII...

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PNEUMONIA NOSOCOMIAL NO DOENTE VENTILADO ALGUNS ASPECTOS DA FISIOPATOLOGIA/GABRIELA FRAGA BRUM REV PORT PNEUMOL 2004; X (1, SUPL 1): S 59-S– 61

XVIII CONGRESSO DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE PNEUMOLOGIA II CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE PNEUMOLOGIA

Pneumonia nosocomial no doente ventilado. Alguns aspectos da fisiopatologia

GABRIELA FRAGA BRUM UCIR do Serviço de Pneumologia, Hospital de Santa Maria, Lisboa

A pneumonia é considerada a infecção nosocomial mais frequente e mais temida nas Unidades de Cuidados Intensivos (UCIs). Os doentes submetidos a ventilação mecânica, têm as primeiras linhas de defesa contra a infecção alteradas e são os que estão em maior risco de desenvolver pneumonia nosocomial, nestes casos denominada «Pneumonia do Ventilador» ou «Pneumonia Associada à Ventilação» (PAV). É uma complicação difícil de diagnosticar e de tratar, que aparece em 8 a 28% dos doentes ventilados. As bactérias podem atingir o aparelho respiratório inferior por microaspiação a partir da orofaringe, introdução intempestiva (durante a entubação ou no acto de aspirar o doente), inalação de aerossóis contaminados e, mais raramente, por disseminação hematogénea. A translocação bacteriana, a partir do intestino, ainda não foi demonstrada no ser humano. A invasão microbiana do parênquima pulmonar, originando a pneumonia, resulta da Março 2004

interacção de vários factores que consistem fundamentalmente na alteração dos mecanismos de defesa do hospedeiro, agressividade/virulência dos microrganismos e tamanho do inóculo. A maioria das PAV parece resultar da aspiração de microrganismos colonizantes da orofaringe. A resistência à colonização depende da integridade anatómica, da integridade fisiológica e da flora normal. Nos doentes hospitalizados, estes factores estão geralmente comprometidos, a sua pele e orofaringe são rapidamente colonizadas. Nas UCIs, a pressão selectiva da grande utilização de antibióticos faz com que os microrganismos colonizantes sejam muitas vezes multirresistentes. A entubação nasogástrica pode facilitar a colonização da orofaringe a partir do estômago. O decúbito dorsal favorece o refluxo e a aspiração, facilitando a colonização das vias aéreas. O papel da colonização gástrica, como ponto de partida de microrganismos causadores de PAV,

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REVISTA PORTUGUESA DE PNEUMOLOGIA/XVIII CONGRESSO DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE PNEUMOLOGIA/II CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE PNEUMOLOGIA (SANTA MARIA DA FEIRA, 14 A 16 DE NOVEMBRO DE 2002)/TEXTOS

tem vindo a ser desvalorizado. Em alguns estudos, a colonização gástrica a preceder a colonização traqueal só foi demonstrada entre 9 a 23% dos casos. A entubação nasal pode aumentar o risco, tanto de sinusite nosocomial como de PAV. Durante a entubação, microrganismos potencialmente patogénicos, presentes nas vias aéreas superiores, podem ser arrastados para a traqueia. Por outro lado, algumas bactérias aderem facilmente ao tubo endotraqueal, tornando-o um autentico reservatório de microrganismos. que, com os movimentos da sonda de aspiração, podem embolizar para as vias aéreas inferiores e originar pneumonia. A entubação traqueal compromete não só as barreiras naturais de defesa entre a orofaringe e a traqueia, como facilita a entrada de bactérias para os pulmões por acumulação e passagem de secreções contaminadas à volta do cuff do tubo. Este fenómeno ocorre na maioria dos doentes entubados e é facilitado pelo decúbito dorsal, pelo que a cabeceira do doente deve ser mantida entre 30 a 45 graus, se não houver contra-indicação clínica. O cuff pode traumatizar a mucosa, facilitando a adesividade bacteriana, ao mesmo tempo que actua como uma barreira incompleta contra a aspiração a partir da orofaringe. O traumatismo e inflamação locais causados pelo tubo endotraqueal e a passagem de secreções contaminadas à volta do cuff para a traqueia levam à colonização traqueobrônquica, traqueobronquite e pneumonia. A ventilação não invasiva (através de máscara nasal ou facial) associa-se a uma incidência muito mais baixa de pneunmnia nosocomial. A infecção por via inalatória resulta essencialmente da inalação de aerossóis contaminados. A sua origem pode estar nas substâncias administradas, nos aparelhos de administração, circuitos do ventilador ou no material de aspiração. Por outro lado, o débito, relativamente elevado, da S 60

mistura gasosa fornecida pelo ventilador contribui não só para a aerossolização dos fluidos contidos no tubo endotraqueal e árvore traqueobrônquica como para a sua deslocação para as vias aéreas distais. A via hematogénea é uma forma mais rara de transmissão de infecção ao pulmão. A PAV é considerada infecção endógena primária quando o microrganismo responsável já vinha a colonizar a orofaringe ou o tubo digestivo do doente. É considerada endógena secundária quando o microrganismo chega à orofaringe pelas mãos/ material contaminado, colonizando-a e posteriormente infectando o pulmão. Fala-se de infecção exógena quando há introdução directa dos microrganismos na via aérea inferior através do tubo traqueal. O aparecimento da pneumonia após as primeiras 48 horas de internamento era uma condição necessária para que esta fosse considerada nosocomial. Esta definição não é adequada para a PAV. Um número significativo destas pneumonias é consequência da própria entubação (particularmente quando feita em situação de emergência), e pode manifestar-se durante as primeiras 48 horas. Habitualmente separam-se as PAV de aparecimento precoce das de aparecimento tardio, uma vez que os microrganismos envolvidos, costumam ser diferentes. A definição do limite para uma PAV ser considerada precoce situava-se classicamente durante os primeiros 2 a 4 dias. Recentemente, há tendência a prolongar este limite até aos 7 dias. A PAV precoce resulta quase sempre da aspiração consequente da própria entubação. A sua etiologia depende da flora do doente na admissão. Nos doentes entrados directamente na UCI, é muitas vezes originada por microrganismos da comunidade, sensíveis aos antibióticos. Nos doentes admitidos na UCI após hospitalização mais ou plenos prolongada, estão geralmente

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implicados microrganismos hospitalares. A PAV tardia tem também na sua etiologia microrganismos hospitalares. Uma vez que foram adquiridos na UCI, estes gérmens têm geralmente características particulares, reflectindo em parte a pressão de selecção exercida pela grande utilização de antibióticos. A PAV de aparecimento tardio associa-se quase sempre a um pior prognóstico do que a PAV de aparecimento precoce.

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